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sexta-feira, 18 de dezembro de 2020

CURIÓ MALANDRO CANTADOR!



Eta coisa boa! 
Uma viola debaixo do braço, um amor a me acompanhar,
uma birita das boas para a garganta afinar e depois
era só soltar a voz e ver o povo dançar.

Assim eu vivia, assim era feliz. Para um tudo eu dava
um jeito, tristeza aonde eu chegava já batia em retirada.
Não tinha pressa na vida, malandro nunca tem. 
Sempre dá tempo para tudo, para tudo tem solução.
Depois que morri descobri que até a morte tem jeito!

Do ranchinho até a vila tinha três ou quatro botecos
e todos me queriam, precisava revezar. 

Aperto eu não passava, antes da cantoria um prato eu
já ganhava e depois dela uma merenda na madrugada
para ir para o meu ranchinho.

Meu ranchinho pobrezinho no meio de tantos ranchinhos,
mas era bem limpinho e eu tinha criação.
O galo sempre estava cantando na hora de
minha chegada, mas depois aquietava.
Era bom por demais. 

Devoto da Virgem Maria, carregava no escapulário a
Virgem e seu Filho que era menino Deus. 
Ela era minha mãezinha. Por ela nenhum mal eu fazia,
para ela fazia prece e acendia sebo para agradecer o dia. 

Vivia bem sozinho até ela aparecer, tomou conta do
meu ser o amor que lhe nutria. 
No ranchinho foi morar, mas ali não parava da boêmia
gostava, então me acompanhava. 

Assim viveu esse malandro de bem com a vida e com
Deus, pois se podia ajudava a quem necessitasse.
Fui alegre até a partida dela, foi-se após alguns
anos, não me abandonou, apenas Deus a buscou, morte
rápida, aquela febre maldita que ela me escondeu o
mal estar por semana até que caiu de cama.
Seu doutor disse ser tarde e era, ela partiu, deixou um
buraco enorme e eu morreria se não fosse meu pequeno,
é nosso filho, por ele vivi, por ele fiz das tripas coração,
por ele agora eu cantava, era meu sustento,ali eu
esquecia a dor, também esquecia quando com ele estava.

Mulher nunca mais, mas Nhá Benta, viúva e sozinha,
busquei pra cuidar do menino, ele estava com uns cinco
anos quando aconteceu. 

Bem, passou como tudo, virou um rapagão e aprendeu
meu ofício de cantador.
Nhá Benta partiu de velhice, nós a amávamos muito,
um ano depois parti eu, não foi matado não, foi de morte
morrida, foi da labuta da vida.
Mas na hora da partida vi minha amada, ela sorria
e estendia a mão para mim.
Não pensei duas vezes e ela me recebeu em seus braços,
eu adormeci. 

Hoje cá na Aruanda conheço muitos iguais a mim,
cujo maior pecado foi sorrir para nunca chorar.
Até troça eu fazia da desgraça que me atingia, pois assim
não permitia que a desgraça vencesse em minha vida. 

A fé em Nossa Senhora valeu, como também, minha boa
malandragem, pois um Mestre se apresentou e eu o
abracei não só a ele, mas também a tudo que ele
representava. 

Hoje aqui também não choro, mas às vezes fico aflito,
pois trabalho para os filhos que a fé a mim traz. 

Mas só posso proteger, abrir caminho posso, desmanchar
trabalhos negativos, livrar dos quiumbas das trevas e da
vida também! 
Isso tudo eu faço e um bocadinho mais, mas no livre
arbítrio não posso interferir, é deles a escolha, eu só posso
torcer. 

Ainda dou meu pitaco, aconselho sempre, sempre que
posso, mas na hora eles até dizem:
É sim, malandro Curió está certo. Mas depois segue a vida
e do meu conselho eles esquecem, então aflito fico
tentando intuir, tentando aparar as pontas, mas a escolha
é deles.
Bem eu já sei, se caírem é lição que vão ter que aprender
e eu estendo a mão, com minha alegria o envolvo
esperando que ele mesmo no tempo certo
entenda.

Quantas vezes vou estender a mão?
Quantas vezes ele precisar, a escolha sempre será
dele certa ou errada, mas a minha escolha será sempre
ajudar para encaminhá-lo à evolução.

Agora o galo vai cantar e eu vou trabalhar, deixo aqui
minha alegria, pois se não cantei nem toquei viola,
conversei um bocadinho. 

Malandro Curió 

precisando é só chamar.

psicografia Luconi
07-06-2020