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segunda-feira, 20 de setembro de 2010

MÃE MARIA


OBRIGADA MÃE MARIA

Foi lá naquela senzala, onde só a tristeza imperava, onde o pavor nos dominava, e nada nos trazia alegria.
Foi lá que aprendi o valor da união, o valor da humildade, o valor do perdão.
Foi lá que vivi uma vida toda, foi lá que morri, numa paz que não sabia existir.
Foi lá que tive meus filhos, ao invés de sorrir com o riso de meus pequenos, lágrimas derramava, pois bem sabia do futuro que os esperava.
Foi lá nos cafezais, que sentia a liberdade, pois lá eu podia ver o azul do céu infinito e alçar voo através das nuvens.

Foi lá que me transformei primeiro numa menina amedrontada, que pouco entendia da dureza do cativeiro, depois uma moça que ousava sonhar com seu príncipe encantado que dali me arrebataria para a mãe África de onde meus pais vieram, lindas histórias ouvia de guerreiros valentes e um deles seria o que me salvaria, mas o príncipe veio na forma de um lindo negro, alto e forte que em seus braços me tomava e juntos por momentos nos sentíamos livres como os pássaros, pois no nosso coração ninguém mandava.

Casar como os brancos, isso não podia não, negro era bicho, negro não era filho de Deus, era uma raça inferior, então apenas nos uníamos de forma muito secreta, para que o branco não inventasse de nos separar como forma de nos castigar.

 Enfim foi chegando a idade, nem sei como consegui sobreviver tanto, eu e meu amado guerreiro, dentro de minha humildade a cabeça abaixava, já meu velho só com o tempo passou a se calar, mas  jamais incentivou revoltas.

Para que? Só para atiçar a ira do branco, só para ir parar no tronco e quem sabe se seriamos chicoteados ou queimados com ferro em brasa, meu brlho ao tronco algumas vezes foi, a penúltima  por tão pouco, por tentar defender um irmão, 
 foi chicoteado e depois marcado com ferro em brasa colocado em cima das feridas abertas. 
Meu Deus como sofri, sofrimento mudo, apenas lágrimas escorrendo, pois senão castigada seria.
Nunca mais meu nego, nunca mais se atreveu a afrontar, nunca mais, porque ele sofreu muito mais ao ver o meu sofrimento, afinal de tanto falarem, já acreditávamos que éramos mesmo raça inferior.

Tentamos viver o melhor que podíamos, ou seja aceitando as injustiças, tentando acalmar os irmãos, levando nossa palavra de carinho e união, estávamos cansados de ver tanta gente ser marcada chicote ou ferro em brasa, três tiveram suas línguas cortadas, segundo o branco reclamavam demais.

Assim chegamos à velhice, éramos raros, poucos envelheciam, à maioria morria cedo, a média era de trinta para quarenta, cinquenta poucos, velhos raros.

Mas foi na velhice que as coisas mudaram, foi na velhice que meu velho novamente defendeu filho amado, apanhou muito, estava velho, fraco, já doente, não aguentou. Retirado do tronco ainda com vida, pediu para falar com o sinhô, este a contragosto atendeu, e quando se abaixou dizendo: Fala seu nego teimoso. Ouviu apenas duas palavras: Eu perdoo.

 Espantado levantou-se, disse que meu velho delirava, mas visivelmente perturbado, afastou-se.

Meu velho não morreu em vão, plantou a semente do remorso, aquele sinhô, lembrou-se que quando menino, quem o ensinara a andar de cavalo, quem lhe contava histórias, era aquele nego velho que por ser tão velho não aguentara a surra no tronco.

Alguns dias depois, eu sozinha na senzala, sentada no meu toco, fui chamada à casa grande, o patrão ordenara que eu ali ficasse, cuidando de sua pequenina. Não entendia, ele confiava em mim, não temia vingança, quando vi aqueles olhinhos cor de mel, correndo em minha direção, entendi que jamais poderia lhe fazer mal, ela culpa não tinha.

Vivi ali alguns anos, tempo suficiente para criar um elo entre eu e a sinhá, que se deliciava com os bolos que fazia para a pequena, que se prendeu a mim de tal forma que só dormia se eu a ninasse, tinha que levá-la para o quarto e ali cantarolar até que dormisse.

Um belo dia não me levantei, as forças me faltavam, a pequena agora já uma mocinha foi a minha procura, encontrando-me prostrada, gritou pela sinhá.
Esta se colocando do meu lado no leito, ajudou-me a beber algum leite, dizia ser fraqueza e espantada vi que ela não mandava nenhuma escrava fazê-lo, mais alguns dias e quase sem conseguir falar pedi com dificuldade pelo sinhô.

Ele entrou meio sem jeito e sentou-se na beirada da cama e eu do fundo do meu coração, tirando forças não sei de onde, lhe disse:
Meu nego perdoo o sinhô e esta nega quer agradecer, por ter podido amar esta sinhazinha preenchendo o vazio que meu nego deixou, senão eu não aguentava.
 Agora permita que eu me vá para junto dele, mas quero partir lá na senzala onde vivi o meu amor.

A sinhá chorava, a sinhazinha então nem se fala, mas aquele sinhô tão cheio de si, de repente, deixou algumas lágrimas escorrerem, rapidamente as enxugou com as costas das mãos e me concedeu o que pedia.


Ao chegar à senzala, com meus irmãos a minha volta, senti uma brisa suave com perfume de rosas e meu nego estava ali, com seu chapéu de palha, aquele sorriso tão lindo e os braços estendidos, e sem notar como, parti para seus braços.

Foi lá naquela senzala, naquela fazenda, que eu aprendi que só o amor vence barreiras, e que perante Cristo todos somos iguais.

Que Oxalá esteja com vocês,

Ditado por Mãe Maria de Angola
Psicografado por Luconi
19-10-2010

Quase sete anos após Mãe Maria de Angola volta para nos passar outro angulo de sua história desta vez através de outra médium.
Abaixo o link:

 http://espiritismoeumbanda.blogspot.com.br/2017/02/mae-maria-de-angola-2.html