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domingo, 23 de janeiro de 2011

HISTÓRIAS DE NEGO TOMÁS- GUMERCINDO E O CAJADO



GUMERCINDO E O CAJADO

Já estava caminhando a horas, como é que aquilo tinha acontecido, nunca ia entender, estava acostumado com aquelas planícies, de menino vivera ali, sempre passeara pelos arredores da fazenda, nunca respeitara os limites, mas nunca se perdera.

Agora homem feito, a barba já grisalha, não sabe como o cavalo assustou-se o derrubando e ele que deveria fazer o caminho de volta, parecia andar em círculos, pois não conseguia achar a trilha certa, devia estar ficando velho ou quem sabe o sol lhe fritara os miolos.
Levantando a cabeça viu bem a sua frente velha cabana, passou a mão nos olhos, não podia ser, era a cabana do nego Tomás, que ele só ouvira histórias, pois falecera quando seu pai era rapazote. Bem, então se desviara mesmo do caminho, o jeito era dar a volta na cabana e pegar a trilha assim logo encontraria o riacho, estava com sede.
Animou-se e apertou o passo, mas quando avistou o riacho, bem ali em suas margens um velho negro estava sentado. Ora,ora, o que seria aquilo, ou melhor quem seria, foi-se achegando devagar, e o velho que parecia não tê-lo visto, pôs-se a falar:
-Então menino Gumercindo, foi fazer arte de novo?
Ele paralisou, as pernas não se mexiam, então o velho o conhecia? Não, não podia ser.
-Ora menino claro que conheço, é o neto do sinhô coronel, leva até o nome dele, seu pai era muito arteiro também, mas para ouvir minhas histórias tinha toda paciência.
Finalmente Gumercindo coloca as idéias em ordem, e dentro de sua lógica diz:
-Bem, se o senhor contava histórias para o meu pai, o sr. é o nego Tomás, que está morto há muito tempo, portanto eu não posso responder ao senhor, pois ou é um fantasma ou uma alucinação.
-É verdade menino, se eu morri a muito tempo, então ou o sr. é uma alucinação, ou então é fantasma como eu.
Agora já era demais, devia ser alucinação e o pior uma alucinação que estava tirando uma com a sua cara. Decidiu continuar o caminho, alucinação não tem perigo.
-Menino, menino eu vim te ajudar, desculpe a brincadeira, mas prometi a teu avô quando me deu meu ranchinho, que apesar de velho serviria de cajado para todos que ele amasse.
-Sinhô coronel cuidou de mim, apesar de ter feito algumas ruindades, pois era muito orgulhoso e demais ganancioso, seu pai então duas ou três vezes na semana vinha me vê, até que um dia chegou na hora que eu partia, ainda era um rapazote, correu chamar o sr. Coronel que fez questão de me dar enterro cristão.

-Olha só é uma alucinação, que ainda por cima sabe de fatos que até eu desconhecia.
-Pois menino Gumercindo cujas barbas já estão grisalhas, venho mais uma fez cumprir o prometido.
-Espera aí nego Tomás, está dizendo que morri?
-Não ainda não, mas olha para você, para a sua empáfia, nem parece a sombra do que teu pai foi, mesmo depois de minha morte teu pai me escutava, pois sempre lembrava as lições que eu havia lhe ensinado, manteve-se na retidão, jamais fez mal a um irmão, ouvia com humildade o mais simplório e o mais sabido.
-Meu pai era um coitado, todos dele abusavam, podia ter triplicado a fortuna, mas não com pouco se contentava. Enterrou-se nesta fazenda, eu não, fui ser bacharel, voltei depois da morte dele, em pouco tempo a renda da fazenda duplicou.
-Pois é menino, a custa da fome alheia, dos que ficaram sem teto, pois tirou todos os direitos que teu pai dava aos colonos, o trato era de meia, mas você os escorraçou, usando do teu diploma, agora mantém empregados que vivem como escravos, e é disto que te vanglorias?
-Agora preste atenção, uma vez já errou, uma vez a minha humildade e serventia fez uma brecha em teu coração, por esta brecha o amor entrou e conseguiste nova chance. Antes que diga que não entende, eu vou te dizer, achas mesmo que tens o nome do sinhozinho coronel por acaso? Será que não era para te lembrar, dos erros do passado?
Alguém o chamava, insistentemente, abriu os olhos, olhou ao redor, estava num hospital, havia tido um derrame, caíra do cavalo, ainda bem que rápido o encontraram. Ao seu lado a esposa, que tanto magoara, segurou sua mão, pediu-lhe perdão.

-Nunca deixei de amá-la, só esqueci o quanto era importante.
As lágrimas correm nas faces dela, beija-lhe a testa e lhe diz:
-Desta vez foi bem leve, serviu de aviso para você se cuidar, quando te encontraram você segurava um cajado e estranhamente só voltou a si para dizer que o queria com você.
Gumercindo sorri, pede o cajado, o segura contra o peito, e diz:
 -É meu velho, só assim para eu não esquecer, vou consertar tudo e desta vez a tempo.

Ditado por Nego Tomás
Psicografado por Luconi
19-01-2010

Um comentário:

  1. Que história linda, Luconi. Às vezes precisamos passar por determinados "apertos" para entendermos e termos consciência de nós mesmos. Beijos e boa semana.

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